
Como descobri meu TDAH depois de adulto
A descoberta de TDAH como adulto é algo que você fica muito surpreso, tudo parece se encaixar. É como se os mesmo erros antigos se repetissem e você agora tem um porquê disso tudo. Abaixo conto um pouco de algumas percepções e história:
Lembro quando era criança, que um dia estava na escola e chovia muito, então a professora pediu para os alunos colocarem o guarda-chuva no fundo, para secar e voltarem a mesa. Desatento, eu deixei o guarda-chuva e fiquei observando o infinito, sem perceber que passou muito tempo, perdendo a matéria e continuando onde deixei o objeto. O que pode explicar as notas sempre ruins.
Quando na adolescência, a matéria parecia nunca se encaixar, eu estudava muito e na hora da prova fazia tudo errado. Teve até uma vez que ensinei a matéria a todos os meus amigos de escola, eles tiraram de 8 a 10, eu, nota 4.
Nos cursos, haviam elogios sobre fazer as atividades corretamente, mas parecia não haver capricho ou dedicação. Qualquer distração já era suficiente para me fazer perder a linha de raciocínio. As únicas vezes que eu conseguia executar tudo com maestria era quando estava sozinho, parecia outra pessoa.

Os sinais estavam ali
O que eu não entendia era que eu gostava de estudar e aprender, ainda gosto, mas nunca parecia ser suficiente. Era estranho você dar o seu melhor e ainda assim não chegar nem perto do mínimo. Mas, como sou persistente, eu sempre dava um jeito de equilibrar as dificuldades.
A exemplo, lembro que aos 17 estava no terceiro ano em uma escola técnica e fazia um curso de design gráfico, na época eu fiquei maravilhado com design 3D e animação e com isso eu queria fazer faculdade. Minhas notas não eram das melhores, minha condição tampouco para passar, mas como eu tinha ficado muito tentado a entrar na faculdade e aprender 3D, hiperfixei em passar de ano e concluir o ensino médio. Assim, consegui passar nas 3 matérias de matemática de dependência, duas físicas, dentre outras. Mesmo sendo péssimo em todas.
Sem contar os comentários na fase infantil e adolescente que eram sempre sobre desatenção, ser desastrado, impulsivo e lerdo. Não foi à toa que encontrei um refúgio em um jogo online por anos. Esses detalhes contados são todo leves, não é intuito tornar o texto pesado, mas mostrar como algumas pistas já eram deixadas a mostra.
O tempo passou e estava na faculdade que tanto queria, de design, então ali eu decidi começar uma série de estudos e dedicação, meus planos eram morar no Canadá e fazer animação 3D no país. Para isso, eu tinha um plano, conseguir um emprego e ir juntando dinheiro e experiência. Tentei de todas as formas conseguir um primeiro trabalho em design, mas dava muito nervoso fazer as aplicações, às vezes ficava preso a detalhes e levava muito tempo para concluir. Simplesmente eu travava para executar as funções, o que era estranho, porque eu sabia muito do assunto na época, praticava também e quase sempre fazia testes. Mas, quando chegava na hora de fazer o teste, não conseguia avançar.
Além do nervoso, tinha o paradoxo do detalhe, eu focava muito tempo em detalhes e, ao mesmo tempo, errava nos detalhes, como se fosse falta de capricho. Diante disso, não conseguia concluir. O tempo foi passando e achei que pegando mais curso, mais estudo eu iria conseguir dominar, mas por falta de dinheiro, fui procurar um trabalho fora da área, parando em vendas.
Um parque de diversão para um TDAH adulto
Ser vendedor era muito bom, parecia que tinha mais abertura pra ser criativo e cada cliente novo era uma forma de interação diferente, nada era igual. Mas ali também tinha um problema, às vezes a impulsividade e falta de maturidade deixava eu falar demais. Em alguns casos era divertido por ser espontâneo, outros, eu só não entrava em maus lençóis porque vendia muito e era simpático com os clientes, tinha carisma.

Apesar disso, eu ainda pretendia entrar na área de design, então investia em curso e continuava tentando, mas o mercado sempre parecia impossível. Eu nunca sabia o porquê até começar as primeiras crises de ansiedade e precisar de terapia.
Durante a fase da terapia eu comecei a me conhecer melhor e entender os impulsos e anseios, fiquei durante um ano e me sentia muito bem, apesar de não ter continuado. Mas dali eu comecei a melhorar minha imagem pessoal e iniciar técnicas de estudo e produtividade testando sempre um modelo diferente, como a técnica Pomorodo. Essa técnica consistia em 4 intervalos de 25 minutos, mais 5 min de descanso em cada intervalo. Depois disso, 1 a 2 horas fazendo qualquer outra coisa não relacionada ao assunto.
Agora vai! Tem que ir!
Tudo parecia ir bem, certo? Não! Era tudo ilusão porque o objetivo nunca era atingido e a frustração ficava maior conforme passava o tempo. Além disso, eu saí da loja para uma empresa melhor, mas só consegui ficar 9 meses nessa empresa e foi dali que tudo começou a piorar.
Com a demissão eu tive que procurar outros empregos, saí de um que fiquei 2 anos para outro que não durei muito tempo e agora precisava procurar outras oportunidades, nem que fosse venda. Por ter tido experiência, eu jurava estar bem e que seria fácil ser recolocado. Tentava uma entrevista, duas, três e nada. Ia nas entrevistas e não conseguia organizar o pensamento, na hora dava branco e tudo parecia se desconectar durante o discurso.
“Eu sou fulano, tenho 24 anos e já trabalhei com vendas como vendedor para pagar a faculdade e com isso fui pegando experiência, consegui inclusive vender muito no natal e depois fui para loja de operadora…”
Passado mais um tempo a depressão começou a aparecer, junto de TAG (transtorno de ansiedade generalizada). “Droga, não deveria ter parado a terapia”. Pensei.
Hora de partir para próxima
Aos 25 eu já tinha desistido de continuar com design e a área comercial estava em baixa também, apesar de ser muito bom no que fazia e gostava. Eu não conseguia entender porque era sempre quase lá, nunca um plano finalizado.
Mudei meus planos nessa idade e optei por pegar empregos com salários menores, sem comissão. Agora eu era auxiliar de loja para pagar as contas do novo objetivo, ser animador 2D. fiquei 5 meses só na loja, não conseguia conciliar o trabalho com o estudo na ocasião. Larguei e fui procurar outros empregos, como trabalhar por conta própria.
Trabalhei em eventos, vendi caipirinha no Arpoador, Carnaval e muito mais. Valia tudo para atingir os objetivos, era o que eu pensava. Sempre lembrando do ilustre Joseph Climber!
Nota: Deixei um vídeo do Joseph Climber no final para não se distrair rs
“A vida é uma caixinha de surpresas e, numa bela manhã de sol, Joseph Climber estava de namoricos com sua pequena Emy. De estômago cheio, Joseph foi se envolvendo com as carícias de sua pequena. E, sem se controlar, foi acometido por uma terrível congestão. Isso deixou-o paralisado de todo o lado esquerdo do corpo. Qualquer um de nós ficaria desmotivado, mas não este homem! Não Joseph Climber!” – Trecho do Jornal Metrópoles sobre a peça de teatro Joseph Climber.
Nessa época eu comecei a desconfiar que poderia ter algo de errado, que não se encaixava, mas devido a correria eu não conseguia parar e avaliar melhor. Até chegar em 2018 quando circunstâncias da vida me trouxeram uma depressão profunda.
Tudo cinza, era preciso buscar ajuda
Eu não tinha ciência, mas o quadro de depressão era algo que já me acompanhava há anos, em forma de humor autodepreciativo e tópicos negativos, o que me tornava uma pessoa, apesar de persistente, não era tão positivo. Além disso, os pensamentos não eram dos melhores.
“Reclamo, mas faço”
Percebi isso quando fui buscar terapia depois 3 anos, desde a última. Lá eu relatava como tudo era cinza e nada parecia fazer mais sentido, que eu estava desacelerando a ponto de parar. Que tudo fazia e nada engatilhava, mesmo tendo estudado técnicas de produtividade. Além disso, minhas pernas não paravam quietas em momentos que exigiam um esforço muito grande de concentração ou tarefas bem chatinhas. Eu me sentia sem saída.
Sobre o encaminhamento para avaliação neuropsicológica
Inicialmente a minha terapeuta foi diagnosticando e trabalhando os pontos da depressão e ansiedade. Conforme os relatos tinha um padrão de desatenção, hiperatividade e procrastinação, ela solicitou que fosse feita uma avaliação neuropsicológica. Junto da terapia eu precisei frequentar um psiquiatra que ao ouvir os relatos e ser bem solícito, entrou com o tratamento medicamento contra depressão e ansiedade a príncipio e depois entregou um encaminhamento para avaliação neuropsicológica a pedido da terapeuta.
Mas, quem disse que eu fui fazer a avaliação em seguida? A procrastinação era tão forte que até isso deixei pra depois.
O bom é que nesse período eu fui trabalhando para melhora da depressão e ansiedade a ponto de evoluir bastante com o tratamento. No entanto, os mesmo erros antigos permaneciam e não havia solução que resolvesse. Foi nesse momento que decidi levar a sério o encaminhamento e investigar melhor o que se passava na minha cabeça.
Ao chegar na especialista em TDAH, relatei todo o histórico que eu apresentava e os detalhes completos e profundos desde a infância. Ela avaliou os pontos e solicitou um mapeamento cerebral, assim, chegando a conclusão que era TDAH e não era um nível leve. Conforme a explicação ia sendo feita, as situações se encaixavam e os alertas iam aparecendo.
Depois de adulto descobri o meu TDAH, e agora?
Com a explicação do TDAH, eu fui entender melhor toda a situação e comecei a consumir conteúdos para aprender melhor sobre o transtorno de déficit de atenção. Vi que não era minha culpa ter passado por tudo aquilo e que por mais que eu tentasse todas as técnicas ou estudos, eu precisava me reorganizar. Em outras palavras, nunca me faltou motivação ou capricho, era falta de processo para lidar com um transtorno que só descobri aos 30 anos.
Com isso, aqui estou criando um blog para documentar minhas experiências e compartilhar materiais para que você possa ficar aliviado, não está só. A próxima matéria eu vou inclusive comentar em detalhe como foi o processo da fase da terapia, pesquisa, avaliação e pós-diagnóstico.
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